Quando os cenários são protagonistas

“… estão circunscritas a uma geografia indefinida as próprias cidades, dependentes eternas da memória de um homem, inevitavelmente falhas porque, por maravilhosas que sejam, nunca serão Veneza: o ponto de partida e de referência, o real que fabrica o mito”.
Adriano Schwarttz, prefácio de “As cidades invisíveis”, de Ítalo Calvino.

Nesta edição, as Indicações Literárias se concentram em obras que convidam a visitar edificações assinadas por Lina Bo Bardi e lugares que todos merecem conhecer, como a Serra da Capivara, Paris, Grécia, além de um mergulho na Argélia de Camus. Textos que nos inspiram a descrever, com a memória e o afeto, o palco e moldura de muitas, de nossas histórias de vida. Apesar da geografia nem sempre coincidir com os contornos de nossas memórias, com as intenções literárias, ainda assim, como é bom viajar mundo afora, atravessando narrativas ficcionais! Como é bom poder estar em todos os lugares sem sair do sofá!

E para nos conduzir por esses diversos cenários, nesta Indicação Literária, teremos como guias: Bel Roux, Bia Ruffino, Bia Savoldi e Silvia Casatle, todas da equipe da Biblioteca Padre Charbonneau.
Além das resenhas, ao final, oferecemos uma pequena lista de outros títulos que promovem os cenários a protagonistas.

Título: Lina – Aventuras de uma arquiteta
Autora e Ilustradora: Ángela Léon
Editora: Pequena Zahar
Por Bel Roux

Quando pensamos em um cartão postal da cidade de São Paulo, a Avenida Paulista, com o MASP, é um dos símbolos mais conhecido por todos. O MASP é um ícone de nossa metrópole e possui a mais importante e abrangente coleção de arte da América Latina.
Foi em 1958 que a arquiteta Lina Bo Bardi projetou o prédio do MASP, uma de suas obras mais conhecidas. O livro LINA – AVENTURAS DE UMA ARQUITETA é uma biografia ilustrada da vida da arquiteta, sempre comprometida com a cultura e o desenvolvimento da sociedade.
No início do livro, passeamos por Roma, onde Lina nasceu, e Milão, onde também morou. Após a Segunda Guerra Mundial, Lina e seu marido Pietro se mudaram para o Brasil. O contraste entre Rio, Salvador e São Paulo é visível por meio do texto e das ilustrações da autora.
Sempre buscando a expressão do povo, Lina criou espaços que favorecem a cultura, como o MAM-BA, Museu de Arte da Bahia e o Museu de Arte Popular, todos representados nas criativas imagens da autora.
Seguindo os mesmos princípios, Lina projetou o Sesc Pompeia, a partir de uma antiga fábrica em São Paulo, e este é considerado um de seus principais projetos. Lá, Lina projetou um lugar em que as pessoas podem conviver, aprender e criar. “Cada construção planejada por Lina é um retrato de suas ideias, mas o SESC é, com certeza, o que melhor traduz seu espírito: pessoas de todas as idades e estilos, passando o tempo juntas, brincando, dançando, aprendendo, ouvindo música, comendo… divertindo-se!”

Com um texto fluido e ilustrações detalhadas que nos convidam a conhecer (ou reconhecer) tantos lugares, objetos e paisagens, o livro nos aproxima da vida de uma artista múltipla. Nele, vemos que Lina conseguiu experimentar o que desejava desde pequena: viver intensamente e ser livre para fazer o que gosta.

Título: O flâneur, um passeio pelos paradoxos de Paris
Autor: Edmund White
Editora: Companhia das Letras
Por Bel Roux

Abro meu livro O FLÂNEUR para compor esta resenha e encontro um roteiro feito por mim há sete anos para uma viagem a Paris. O livro, pelo que me recordo, viajou comigo até lá e me acompanhou em passeios. Posso dizer que “flanei” em Paris, apesar desse roteiro tão organizado. Lembro-me, ao flanar, de entrar em uma galeria cujas obras expostas eram do maravilhoso Sempé (autor de “O Pequeno Nicolau”) ou entrar na Igreja Notre Dame du Travail, construída para abrigar tanto industriais como operários da região, feita com o ferro usado no Palácio das Indústrias, o mesmo estilo da Torre Eiffel. São lugares que não constavam em meu roteiro inicial.
Flâneur poderia ser traduzido para a língua portuguesa como flanador, isto é, aquele que flana. Flanar é andar ociosamente, sem rumo nem sentido certo, também conhecido como perambular. O Flaneur, de Edmund White nos faz flanar por Paris, pelas histórias escondidas em cada bairro, em cada endereço, algo que traz ainda mais sentido para a experiência tão pessoal de conhecer um novo lugar.
“Paris é um mundo feito para ser visto pelo caminhante solitário, pois somente a passo ocioso pode-se aprender toda a riqueza de seus ricos (mesmo velados) detalhes.”

E é nos detalhes do livro, e de Paris, que a experiência se constrói: “A fachada traseira do Instituto do Mundo Árabe é formada por uma estrutura de alumínio que se abre ou se contrai de acordo com a luminosidade do momento”. É uma adaptação do moucharabieh da África, uma construção com sacadas de treliça que permitia às mulheres do harém verem sem serem vistas.
“A flanerie é a melhor maneira de impor uma visão pessoal ao palimpsesto de Paris”. Algo que só tem sentido para você, algo que seu olhar enfoca por um ângulo que não consta nos guias de viagem.
O livro faz parte da coleção “O Escritor e a Cidade”, assim como Carnaval no Fogo, de Ruy Castro.
O escritor Edmund White viveu em Paris durante 16 anos e pelo que é possível acompanhar, um apaixonado pela cidade.

Título: Diário de Pilar na Grécia
Autora: Flávia Lins e Silva
Ilustradora: Joana Penna
Editora: Pequena Zahar
Por Bia Savoldi

Você gosta de viajar? Eu adoro. E a Pilar também.
Pilar é a protagonista de uma coleção de seis livros que narram suas mais incríveis aventuras pelo mundo. Ela tem dois superamigos, Breno, seu vizinho, e Samba, seu gato. O livro em destaque é o primeiro livro da coleção, em que Pilar conta como encontrou a rede mágica que vai transportá-la para Grécia em busca de seu avô Pedro e nele também ficamos sabendo como foi que encontrou seu gatinho de estimação.
Pilar tem 10 anos. Movida por uma curiosidade sem fim, é atraída por desafios, injustiças e imprevistos. Sempre consegue resolvê-los com pitadas de bom humor, fantasia e coragem, muita coragem. Nesta aventura, ela encontra o ambicioso rei Midas e vários deuses e criaturas da mitologia grega, pois chega ao Olimpo montada no cavalo alado Pégaso. Lá participa de uma competição emocionante e ainda arruma a maior confusão com a esposa do grande Zeus, Hera.
O livro é ricamente ilustrado por Joana Penna, e as imagens conversam com o texto tornando a leitura mais atraente. Como se trata de um diário, me senti bem próxima da narradora, pois, além de ler suas aventuras, fiquei sabendo dos seus segredos, decepções e alegrias. Aposto que leitoras e leitores sentirão o mesmo. Boa viagem!

Título: serradacapivara.com – Os incríveis desenhos desses homens misteriosos
Autor: Denise Crispun
Ilustradora: Mariana Massarani
Editora: Global
Por Silvia Casatle

A leitura da obra serradacapivara.com – Os incríveis desenhos desses homens misteriosos surpreende e atiça qualquer leitor. Dá vontade de fazer as malas e sair para conhecer o Parque Nacional da Serra da Capivara.
O livro nasce do encontro de duas talentosas autoras cariocas: Denise Crispun, fascinada pelo cenário da época pré-histórica, e a ilustradora Mariana Massarani, que já havia se emocionado ao conhecer o lugar.
A história é escrita em primeira pessoa, pela menina Maria, que nos conduz em viagem com sua mãe, arqueóloga, para conhecer o parque, no Piauí. Lá, ela descobre o museu a céu aberto e diariamente relata ao seu pai, via e-mail, todas as suas descobertas e seu encantamento sobre o lugar.
“Sabe, pai, se esses homens primitivos não tivessem desenhado nessas paredes, nós nunca saberíamos que eles estiveram por aqui. E eles foram tão espertos que inventaram uma tinta que não sai facilmente com a água. É verdade que os desenhos desbotaram um pouco com o tempo. Mas queriam o quê? Isso aqui é um museu ao ar livre, totalmente natural. […]
Amanhã eu te conto mais.
Beijos cansados da Maria.”
O texto, em tom descontraído, tem importantes informações e primorosas ilustrações a respeito do parque, das pinturas rupestres, dos primeiros registros da nossa história, quando tudo ainda estava começando. Uma narrativa encantadora!

Se a curiosidade bateu e quiser saber mais sobre os sítios arqueológicos, pode se aventurar em um tour virtual.

Outra dica: cavernas de Lascaux, na França.

Título: Núpcias, o Verão
Autor: Alberto Camus
Editora: Nova Fronteira
Por Bia Ruffino

A primeira e mais evidente característica dos múltiplos ensaios contidos em Núpcias, o Verão é a faustosa habilidade que Albert Camus tem de não apenas descrever um espaço, mas transformá-lo em protagonista.
Se Tipasa é a personificação de luz e sol, Djemila é seu oposto, uma presença que causa um vazio no estômago e uma sensação em queda livre. Já Oran, com seus imensos desertos de areia, suspira a ele nada além de paz, enquanto Argel é quem lhe ensina que viver é mais do que resignar-se. E assim, palavra após palavra, são construídas literariamente as cidades argelinas, berços de Camus. O perceptível foco nos cinco sentidos nos leva para a história como participantes, não apenas como espectadores, mas presentes na Argélia, como o autor a percebia em sua infância.
Pode-se dizer que Núpcias, o Verão é uma jornada íntima e saudosista, na qual o carinho pela terra natal se mistura intrinsecamente com a angústia de existir. Cada relato tem, concomitante a si, lições sobre o que é viver, sobre as liberdades humanas e, também, sobre a maior de suas contenções: a inevitabilidade chamada morte.
Por fim, é ao mar – um bem universal – que Camus dedica sua última e mais sincera homenagem, é quando ele confessa que, em meio à imensidão, se sente completamente perdido. Mas é exatamente essa angústia, de se encontrar largado e exposto à perda, que enfim lhe fornece uma felicidade digna de um rei. E o liberta.

Mais alguns cenários em livros:
· Cidades imaginárias – “As cidades invisíveis”, de Ítalo Calvino. Companhia das Letras.
· Cidades imaginárias – “Contos de lugares distantes”, de Shaun Tan. Editora Cosac Naify
· Cuba – “Água por todos os lados”, de Leonardo Padura. Editora Boitempo.
· Grandes metrópoles – “Fique por dentro: Grandes cidades”, de Rob Lloyd Jones. Editora Usborne.
· Itália – “A Filha Perdida”, de Elena Ferrante. Editora Intrínseca.
· Macondo – “Cem anos de solidão”, de Gabriel Garcia Marquez. Editora Record.
· Paris – “Paris é uma festa”, de Ernest Hemingway. Editora Bertrand Brasil.
· Praga -“A insustentável leveza do ser”, de Milan Kundera. Editora Companhia das Letras.
· Rio de Janeiro – “Uma janela em Copacabana”, de Luiz Alfredo Garcia-Roza. Editora Companhia das Letras.
· São Geraldo/Metrópole – “A cidade sitiada”, de Clarice Lispector. Rocco.
· Vários lugares do mundo – “Mapas: Uma viagem deslumbrante pelas terras, mares e culturas do mundo”, de Aleksandra Mizielinscy e Daniel Mizielinscy. Editora WMF Martins Fontes.
· Vários lugares do mundo – “Lost in translation – um compêndio ilustrado de palavras intraduzíveis de todas as partes do mundo”, de Ella Frances Sanders, Editora Livros da Raposa Vermelha.

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