Com as aulas presenciais suspensas no Colégio desde o dia 19 de março, por conta da pandemia, o ensino teve que migrar para o ambiente virtual. Se o desafio já é imenso para os alunos dos cursos regulares, para os quase 600 jovens e adultos que estudam no período noturno é ainda maior. Imagine que, entre outras coisas, grande parte deles sequer tem acesso a um computador. “Acho que, neste momento, menos está em jogo a linguagem, e sim a possibilidade de seguir vinculado à escola e ao debate que ela propõe sobre o nosso mundo, especialmente sobre o nosso tempo”, diz Fernando Frochtengarten, diretor dos Cursos Noturnos. Na entrevista a seguir, ele nos conta que estratégias têm sido usadas pelos educadores para que os alunos continuem ligados à escola durante o período de isolamento social.
Fernando, quais as maiores preocupações com relação aos alunos dos Cursos Noturnos?
Quando percebemos a iminência da suspensão das aulas, os professores prepararam um conjunto de atividades impressas a serem realizadas pelos alunos fora da escola. Com as aulas suspensas, nossa preocupação foi a de estabelecer contato com todos os alunos, o que é desafiador pois, entre eles, acontecem trocas frequentes do número de telefone. Nossa busca de contato teve a intenção, primeiro, de saber como todos estavam, já que muitos vivem condições de moradia, transporte e trabalho que impedem o isolamento físico e os colocam em situação de risco à saúde.
Como está sendo realizado o EAD para esses alunos?
Feito o primeiro contato, parte dos alunos começou a manifestar o desejo de receber atividades para fazer remotamente. Estamos atuando nessa frente, enviando atividades por WhatsApp e oferecendo plantões de atendimento aos grupos-classe, tanto na EJA quanto como no Ensino Técnico (cursos de Logística e Administração). A enorme maioria dos alunos não dispõe de computador em casa. Nas atividades à distância existe, claro, uma preocupação acadêmica; queremos que os alunos sigam experimentando formas de pensar, de olhar o mundo e de se comunicar que são objetivos da escola. Mas, para além disso, queremos que saibam que a escola segue viva e que eles continuam sendo estudantes, sendo alunos do Colégio Santa Cruz. Essa identidade, recuperada depois de anos, precisa ser reafirmada. E para isso o nosso contato, a permanência do vínculo, é indispensável.
Quais os maiores desafios enfrentados pelos alunos?
Parte dos desafios enfrentados pelos alunos são aqueles sempre presentes em suas vidas, mesmo em tempos “normais”: a destacar, a falta de tempo para realizar as atividades. Mesmo sem a escola à noite, a rotina de todos está muito modificada. Há gente para quem não é possível se dedicar às atividades escolares quando se está em casa. Também temos alunos e alunas com novas atribuições, novos horários de trabalho, fazendo bicos… Sem contar algumas alunas, empregadas domésticas, que estão literalmente presas na casa dos patrões, sem poderem ir para as próprias casas e, além de tudo, trabalhando mais do que normalmente.
Outra dificuldade enfrentada pelos alunos diz respeito aos recursos tecnológicos para terem acesso às atividades. Isso passa desde equipamentos antigos aos casos, estes mais frequentes, de alunos sem pacote de dados que permitam o acesso frequente, baixar conteúdos etc. Nos Cursos Noturnos as atividades à distância não chegam a todos os alunos, não são realizadas por todos os alunos. Também não conseguimos monitorar a participação dos alunos como se faz por meio de um Portal.
E pelo corpo docente?
A equipe de educadores dos Cursos Noturnos vive desafios que, em alguma medida, se aproximam daqueles que se apresentam aos cursos regulares: encontrar um formato adequado para as atividades remotas, acertar a quantidade, a linguagem; buscar formas de estimular os alunos a participarem. Na Educação de Adultos, a comunicação entre educador e educando requer um trabalho de construção cioso, a fim de superar barreiras que, muitas vezes, os alunos introjetaram ao longo de sua vida. Esse trabalho se dá de formas bem distintas quando é presencial e quando se dá à distância. Por esta razão, o trabalho remoto renova os desafios de contato com os alunos.
Que iniciativas se mostraram mais eficazes até o momento?
Na Educação de Adultos, as propostas mais significativas, que costumam contar com maior adesão, são aquelas que convocam a experiência do aluno – sua voz, seu repertório – e discutem temas que lhe são significativos. Agora, no que diz respeito ao ensino à distância, destacaria as situações que admitem flexibilidade em relação à produção dos alunos. Vale participar por meio de um áudio, da escrita no celular, da fotografia de uma produção escrita em papel… Acho que, neste momento, menos está em jogo a linguagem, e sim a possibilidade de seguir vinculado à escola e ao debate que ela propõe sobre o nosso mundo, especialmente sobre o nosso tempo.
Que retorno vocês têm recebido?
O carinho e a gratidão que os alunos manifestam em resposta ao nosso contato são indescritíveis. Deixam claro o espírito comunitário do nosso curso. Nesta semana, especificamente, temos nos dedicado a uma grande ação de orientação para o preenchimento do cadastro para o recebimento do auxílio emergencial do Governo Federal por parte de autônomos, informais e desempregados.