“O mundo vai melhorando conforme a escola vai incluindo todo mundo”

No último dia 9 de novembro, o Colégio promoveu um webinar, organizado pelo Centro de Formação e pelo Núcleo de Práticas Inclusivas (NUPI), para refletir sobre a diferença entre educação inclusiva e educação especial e discutir os possíveis impactos que o novo decreto 10502 terá para a educação inclusiva no país.

Assista na íntegra.

Participaram do encontro os especialistas Rodrigo Mandes, mestre em Gestão da Diversidade Humana e fundador do Instituto Rodrigo Mendes, organização sem fins lucrativos cuja missão é garantir que toda pessoa com deficiência tenha acesso à educação de qualidade na escola comum, e Larissa Ornelas, mestra em Educação e psicóloga do Núcleo de Assessoria Técnica Psicossocial do Ministério Público do Estado de São Paulo.

Fábio Marinho Aidar, Diretor Geral do Colégio, iniciou os trabalhos reconhecendo a importância da temática da educação inclusiva para o Santa Cruz.

A Diretora Pedagógica Débora Vaz saudou os convidados agradecendo a oportunidade do diálogo e da troca.

Lucila Bernardes, Coordenadora do NUPI, disse que o intuito do encontro era alargar o debate sobre a educação inclusiva e trazer luz aos possíveis impactos do decreto 10502 lançado pelo governo, que põe em risco conquistas das pessoas com deficiência alcançadas nos últimos 30 ou 40 anos.

Entenda o decreto 10502

O decreto institui a nova política nacional de educação especial e volta a considerar o encaminhamento de pessoas com deficiência para escolas ou classes especiais. Também determina a destinação de recursos para essas instituições.

É uma guinada radical nos rumos adotados pelo Brasil a partir do decreto legislativo número 186, de 2008, quando o país se tornou signatário da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, que assegurava um sistema educacional inclusivo em todos os níveis.

A medida gerou reação imediata entre especialistas, educadores e familiares engajados com essa temática. “Repudiamos esse documento com vários argumentos: ele desrespeita não só a Constituição brasileira, mas vários marcos internacionais dos quais o Brasil é signatário”, afirmou Rodrigo Mendes. Larissa Ornelas completou: “A segregação das pessoas com deficiência é inconstitucional na nossa legislação.”

A diferença entre os modelos

Rodrigo explicou que a escola especial nasceu da ideia de que a deficiência representa uma incapacidade e, por isso, o aluno precisa estar apartado. No entanto, estudos apontam que os resultados são extremamente negativos. “A falta de interação, de estímulos e de desafios formam esses alunos adultos extremamente dependentes. É como se o destino deles já fosse traçado antes da largada da corrida da vida”.

Para Larissa, a escola especial se organiza na lógica do diagnóstico médico e pouco comunga com o projeto pedagógico de uma escola regular. “São instituições que estão mais focadas em oferecer reabilitação do que em transmitir ao aluno nosso patrimônio histórico e cultural de forma organizada.”

Já no modelo de educação inclusiva, qualquer aluno é acolhido e os estudantes com deficiência recebem apoio especializado. “A educação inclusiva envolve todos os alunos que estudam em uma escola e valoriza a diversidade. Estamos falando de formas diversas de existir coexistindo, de pessoas que se organizam de um modo diferente, mas que se beneficiam na troca e no convívio”, explicou Larissa.

Rodrigo esclareceu que a educação inclusiva ainda tem o benefício de aprimorar processos de ensino ao buscar soluções para que todos tenham acesso ao conteúdo curricular. “É uma oportunidade de a escola rever suas práticas, explorar novas tecnologias e ferramentas e investir na formação contínua da equipe pedagógica por meio de cursos e tutorias.” Para os alunos que frequentam uma escola inclusiva, também há inúmeras vantagens: “Esse modelo estimula o desenvolvimento das habilidades mais almejadas hoje no mercado de trabalho, como a capacidade de a pessoa se relacionar com quem é diferente, saber mediar conflitos e buscar a cooperação.”

Rodrigo acredita que, conforme encaramos a diversidade como um valor, miramos nosso leme para um tipo de sociedade que não vai mais tolerar abismos sociais. “O mundo vai melhorando conforme a escola vai incluindo todo mundo.”
Enquanto os especialistas faziam suas explanações, nossa comunidade levantava mais questões por meio do chat.

O que estaria por trás desse decreto?

Para Rodrigo, há claros interesses políticos e financeiros por trás da medida. “Há uma disputa de poder pela manutenção desse sistema paralelo de escolas, visando tanto aos recursos públicos quanto à influência.”
Um dado importante trazido por Rodrigo: do total de estudantes com deficiência que estão matriculados, 90% frequentam escolas inclusivas, e não as do modelo de segregação. “Temos uma transformação acontecendo e não conseguiremos dar continuidade se os recursos públicos destinados à formação de professores e à acessibilidade forem direcionados para o modelo paralelo.”

Como as pessoas podem ajudar a revogar o decreto?

Larissa aposta na mobilização social, em espaços privilegiados de discussão como este oferecido pelo Santa Cruz, em abaixo-assinados e no uso das redes sociais para pressionar o poder legislativo.

Rodrigo afirmou que está otimista. “Temos um conjunto amplo de argumentos para demonstrar que é inconstitucional e já estão sendo considerados dois caminhos: um projeto de decreto legislativo que, quando aprovado por maioria simples, revogue o decreto presidencial e outro judiciário, já que o Supremo tem o poder de declarar a inconstitucionalidade do decreto 10502.”

Uma mãe que tem seu filho com deficiência matriculado em escola pública perguntou: Como lidar com a superlotação das classes?

“Há um longo caminho a ser percorrido na escola regular, mas o fato de haver atendimentos ainda inadequados não pode ser argumento para retroceder e achar que a segregação vai dar certo. Essa é a grande ilusão do decreto. A gente precisa ampliar o investimento na escola inclusiva e acolher famílias e professores”, respondeu Rodrigo. Na sequência, convidou a audiência para conhecer a inciativa Diversa – Educação inclusiva na Prática -, que reúne boas práticas do Brasil inteiro.

Como pensar em iniciativas para os vários “Brasis”?

“Nosso país é muito diverso, mas podemos pensar em investimento e em uma diretriz nacional que invista na educação inclusiva em todo o território nacional”, sugeriu Larissa.

Lucila leu o depoimento de uma professora do Colégio:

“Gostaria de enfatizar como essas crianças abrem o nosso olhar para barreiras que outros alunos podem ter também, mas que, por serem menos explícitas, não são percebidas. A presença dessa diversidade impacta positivamente não só os colegas, mas o trabalho do professor também.”

Em suas considerações finais, Rodrigo disse que levamos muito tempo para mudar a visão de que uma criança que nasce com uma deficiência tem um futuro condenado. “Agora a gente precisa avançar e investir nessa escola comum que promove a diversidade.”

Larissa reforçou o fato de que a luta pelo direito das pessoas com deficiência é histórica e importante para um projeto de sociedade em que os cidadãos possam coexistir respeitados em seus direitos.

Lucila agradeceu a parceria dos especialistas com o Núcleo de Práticas Inclusivas (NUPI), que nasceu em 2015 com o propósito de contribuir com a cultura da diversidade no Colégio, apoiando educadores nas práticas inclusivas.

A Diretora Pedagógica Débora Vaz afirmou que é essa força da produção conjunta com educadores e pais que faz com que o projeto pedagógico do Colégio seja cada vez mais diverso e inclusivo.

Fábio Aidar finalizou enaltecendo a qualidade do debate realizado, do qual participaram muitos educadores do Colégio, pais e mães, diretores de outras escolas e membros do Conselho Estadual de Educação, todos demonstrando apoio à escola inclusiva. “O Santa está se esforçando nessa caminhada, que não é simples, mas estamos de mangas arregaçadas para encarar os desafios com muita determinação.”

Ambos os especialistas disponibilizaram seus e-mails para contato:
larissa.pedott@gmail.com
rodrigo@institutorodrigomendes.org.br

arrow_back Voltar para Notícias