Autores, ilustradores e editores de todo o mundo têm celebrado a proliferação de prêmios literários, pois ser indicado e contemplado por um deles é o reconhecimento da qualidade do trabalho empenhado, muitas vezes, por uma longa jornada de talentosos artistas e trabalhadores da rede que compõe a produção de um livro. Além de uma alavanca para movimentar a circulação desse segmento cultural. Leitores também comemoram, pois as premiações podem servir de referência nesse universo intenso de lançamentos e reedições de livros.
Entre as centenas de prêmios que notabilizam autores e livros, dois se destacam: o prêmio Nobel de Literatura, de origem sueca, com edição anual desde 1901, e o prêmio Hans Christian Andersen, que a cada dois anos elege escritor (desde 1956) e ilustrador (desde 1956), para receber da rainha dinamarquesa a medalha de ouro mais cobiçada entre os talentos da literatura infantojuvenil. Este prêmio é considerado o Nobel desse segmento.
Nesta indicação literária, a equipe da biblioteca elegeu alguns títulos de autoras e autores contemplados em um desses dois prêmios, sendo seis títulos para todas as idades e uma para leitores adultos. Entre as indicações, autores brasileiros e estrangeiros.
Fabiana escolheu dois autores estrangeiros e imigrantes: Uri Orlev, nascido na Polônia, mas cidadão israelense e Katherine Paterson, nascida na China e radicada nos EUA. Ambos deslocados de seus lugares de origem por contingências da mesma guerra, ambos com histórias de superação, revertidas em muita sensibilidade e criatividade.
Título: O monstro da escuridão
Autor: Uri Orlev
Ilustrador: Antonio Santolaya
Tradutora: Nancy Rozenchan
Coleção: Barco a vapor
Editora: SM
“Um garoto e um monstro só seu protagonizam esse livro. De vez em quando ele tem medo do monstro e às vezes ele enfrenta o monstro. Esta história, escrita pelo premiado autor polonês Uri Orlev, vencedor do prêmio Hans Christian Andersen, em 1996, se passa na cidade de Jerusalém, durante a Guerra Árabe-Israelense do Yom Kippur, ocorrida em 1973.
No início da história, o garoto demonstra todo o medo pelo monstro da escuridão, mas decide enfrentá-lo com a luz de uma lanterna que ganha do pai. No decorrer da narrativa, vamos conhecendo sua família e um pouco mais sobre a cidade onde o garoto vive. O monstro já não é tão assustador, o garoto até o leva para a escola e vão se tornando próximos, até amigos.
Na minha opinião, é uma história tanto para adultos quanto para crianças, para ler em família ou sozinho. Interessante que para muitos leitores esse livro permite reconhecer os próprios medos e pensar em como lidar e conviver com eles.
E você, qual o seu medo? Eu tenho alguns, medo de altura é um deles, mas não nego que a escuridão já me deu vários sustos também.”
Título: Ponte para Terabítia
Autora: Katherine Paterson
Tradutora: Ana Maria Machado
Editora: Salamandra
“A autora nasceu na China e vive nos Estados Unidos há muitos anos. Katherine recebeu vários prêmios, entre eles o Hans Christian Andersen, em 1998.
Em Ponte para Terabítia, somos apresentados à Jess Aarons e Leslie Burke, duas crianças que estão no 5°ano do Ensino Fundamental. Jess é um garoto humilde, sua família é grande e passa por dificuldades financeiras. O garoto adora desenhar e seu sonho é ser o campeão de corrida da escola. Leslie Burke, filha única, acaba de se mudar com seus pais para a cidade e adora ler livros, é cheia de imaginação.
Os dois se tornam amigos e encontram um lugar na floresta, próximo de suas casas, onde podem brincar e viver as maiores aventuras de suas vidas; é a esse lugar que dão o nome de Terabítia. Entre momentos difíceis na escola e na família os dois vão crescendo juntos e se tornando inseparáveis.
É uma história bastante comovente, que nos faz rir e chorar. Sua leitura me fez relembrar minha infância, de amigos e momentos que vivi. Quando terminei de ler o livro, me peguei pensando que os amigos e irmãos podem ser nossas maiores inspirações.
Em 2007, foi lançado o filme que, em minha opinião, não é tão bom quanto o livro, mas, se ficar curioso, vale a pena assistir após a leitura do livro.”
Joelsa nos brinda com três livros assinados por Roger Mello, primeiro ilustrador brasileiro a ganhar o prêmio Hans Christian Andersen (2014). Sem dúvida uma oportunidade para nos aproximarmos da obra desse brasiliense que tem viajado pelo mundo com títulos que escreve e ilustra, enaltecendo a cultura brasileira. Roger também trabalha em parceria com outros escritores, como na obra “Inês”.
Título: Carvoeirinhos
Autor e Ilustrador: Roger Mello
Editora: Companhia das Letrinhas
“Este foi o primeiro livro do autor que tive a oportunidade de ler, como não conhecia a obra e não tinha pistas sobre ela, segurei meus anseios. O título logo me remeteu ao poema “Meninos carvoeiros”, de Manuel Bandeira, que traz uma sensível crítica sobre a realidade dura do trabalho infantil, na chegada da siderurgia no Brasil, quando havia poucas leis trabalhistas e nenhuma regulamentação dos Direitos da Infância e Adolescência.
Logo minha imaginação se pôs a funcionar, apreensiva, porque o poema de Bandeira havia me tocado e Mello me convidava a caminhar pelo terreno onde convivem a dureza e delicadeza, a riqueza e a pobreza, terreno onde Bandeira já havia aberto pequenas fendas nas minhas memórias de infância. Eu estava no escuro.
Com o livro em mãos, minhas exceptivas foram se confirmando já na capa e, dentro do livro, encontrei uma estrofe do poema de Bandeira. Aceitei o convite para seguir, um pouco receosa, confesso. Mas não precisou muito para eu sentir que Roger Mello já havia me picado.
O primeiro estranhamento foi me deparar com um marimbondo-narrador que me conduziu por uma narrativa que evoca a linguagem e a curiosidade de uma criança. O bichinho trouxe informações peculiares de sua própria vida, além de mostrar ao leitor as traquinagens e alegrias daqueles meninos, mesmo diante da vida dura que levavam.
Esse maribondo sobrevoou a poesia de Bandeira, apresentou elementos significativos e tocantes da realidade da seca, carregou traços de infâncias pela narrativa e deu sentido às ilustrações inconfundíveis do autor.
O projeto gráfico deste livro encanta os olhos e as imagens se fixam na mente, o autor entrega ao leitor um tipo de carvão que gruda na memória.
Para quem não conhece, e para quem deseja reler, eis o poema “Meninos carvoeiros”.”
Título: Meninos do Mangue
Autor e ilustrador: Roger Mello
Editora: Companhia das Letrinhas
“Neste livro, o autor constrói um texto com a força narrativa de quem viveu à beira-mar e encontrou na literatura uma ponte para tratar de assuntos como a riqueza da vida marinha, a complexidade do ecossistema e a vida na pobreza do homem chafurdado no mangue. Mas nada melhor do que os causos de pescador para dar graça às histórias protagonizadas pela Preguiça e pela Sorte.
A ilustração é composta por muitos rabiscos e cores que retratam o lixo entrelaçado nas raízes do mangue, sugerindo uma crítica a ação do homem no meio ambiente.
O texto verbal e as imagens transitam no terreno do lúdico e da reflexão, possibilitando ao leitor identificar como suas ações prejudicam o meio ambiente e também identificar seu próprio manguezal.
Neste livro, as palavras tornaram-se brinquedos, em uma escrita fluida e cheia de liberdade, de alegria, de imaginação. Os trejeitos desses “meninos do mangue” serviram de fertilizantes para um exímio contador de histórias e é nessas águas que desembocam as oito histórias de aventura.
Uma das aventuras, “Meninos do Mangue”, é lida pela escritora e poeta Penélope Martins e convido vocês a ouvirem.”
Título: Inês
Autores: Roger Mello e Mariana Massarani
Editora: Companhia das Letrinhas
“Diferentemente de Carvoerinhos, onde o enredo evoca a poesia, em Inês, Roger Mello faz um resgate histórico, mas com enfoques ficcionais.
Os autores trazem um recorte da vida de uma mulher chamada Inês (de Castro) que entrou para a História porque se tornou rainha depois de morta. Parece conto da carochinha, mas é a pura verdade.
Aliás, a expressão popular “Inês é morta” nasceu neste episódio e, no final do livro, você encontra o contexto histórico deste trágico capítulo da história de Portugal.
Aqui o episódio não parece tão triste assim. Talvez porque seja um livro infantojuvenil, talvez porque fale de um amor (funesto) que permanece vivo, ou, ainda, pelo encontro desses dois talentos: ilustradora e autor que arquitetam palavras e imagens e colocam como narradora dessa história a filha desse casal, que traz de forma muito peculiar o registro do seu ponto de vista.
Conheci Inês nas aulas de história, mas se tivessem me mostrado esses fatos históricos assim “à la Mello Massarani”, teria dado mais atenção ao dito popular e Inês não teria ficado tão morta por tanto tempo. Não para mim!”
Por fim, Ellen traz dois títulos, um infantojuvenil e outro para adultos, que se conectam pela abordagem política. Embora Ana Maria Machado, que ostenta mais de 200 livros em seu currículo, não reivindique a militância em seus textos, impossível não entrever desde o título, a “emergência da urgência” de falarmos sobre modelos de governo. Na esteira de temas mais do que necessários na atualidade, contamos com a indicação de um dos livros de Toni Morrison, cuja obra também reúne textos necessários e imperdíveis.
Título: Era uma vez um tirano
Autora: Ana Maria Machado
Ilustrador: José Carlos Lollo
Editora: Salamandra
“Uma das primeiras lições que aprendemos quando nos aproximamos da literatura é que todo texto nasce e dialoga com seu contexto, mas alguns são perenes: atravessam o tempo, rompem limites geográficos, ganham novos sentidos quando lidos por diferentes gerações. É, de certa forma, o que se diz dos clássicos. Nas palavras de Ítalo Calvino: “Os clássicos são livros que exercem uma influência particular quando se impõem como inesquecíveis e, também, quando se ocultam nas dobras da memória, mimetizando-se como inconsciente coletivo ou individual.”
Ana Maria Machado é mestre na arte de produzir histórias que passam de pais para filhos, sobre as quais todos têm boas lembranças. “Era uma vez um tirano” é uma delas. Nascido em pleno período da ditadura, época de censura cortante, o livro passou ileso apesar do título. Isso porque, para além do fato de a literatura infantojuvenil, à época, não ser levada à sério, o conhecimento acumulado em torno do desenvolvimento cognitivo na infância era matéria para poucos. Foi a sorte. O livro compõe o conjunto de preciosidades de uma de nossas mais ilustres autoras, que ocupa uma das cadeiras da Academia Brasileira de Letras e é uma, entre os três brasileiros, que ostenta o mais cobiçado prêmio na literatura infanto-juvenil, um Hans Christian Andersen (2000).
“Era uma vez um tirano” conta a história de um país onde se proíbe as cores, as festas, as ideias, a arte. Na verdade, não se sabe se foi proibido, está sendo ou será, mas diante das ordens de um déspota desprovido de inteligência, tudo e todos empobrecem e entristecem. Algumas crianças distraídas, ignorando as estúpidas interdições, fazem o que sabem fazer: brincam e mudam o rumo da história.
A narrativa é singela, mas abre portas para boas conversas indispensáveis sobre como foram os “anos de chumbo”, sobre o que significa um governo autoritário, sobre a importância de se conhecer a história e entendermos o valor da democracia.”
Título: A origem dos outros – Seis ensaios sobre racismo e literatura
Autora: Toni Morrison
Tradutora: Fernanda Abreu
Editora: Companhia das Letras
“Se você ainda não leu Toni Morrison, ‘A origem dos outros’ é uma boa porta de entrada para a obra da autora. Não se trata de um romance, gênero que a consagrou como primeira mulher negra a ser agraciada com um Pulitzer (1988) e um Nobel (1993). São seis ensaios, outro gênero pelo qual se tornou notável e indispensável, que nasceram como palestras proferidas na Universidade de Harvard, em 2016, nas quais aborda o racismo por três frentes: política, histórica e literária.
Morrison fala sobre outremização, um conceito que diz respeito ao quanto coisificamos o outro, negando sua humanidade para reafirmar a nossa.
‘O risco de sentir empatia pelo estrangeiro é a possibilidade de se tornar estrangeiro. Perder o próprio status radicalizado é perder a própria diferença, valorizada e idealizada’, diz a autora.
Ao colocar em discussão o conceito de raça, evoca fatos históricos em uma crueza necessária para aqueles que ainda não se reconhecem na engrenagem do racismo sistêmico. Os fatos ocorridos em território estadunidense foram (e são) crimes hediondos contra a humanidade, que ocorrem lá, aqui, em toda parte.
A autora nos pega pela mão para mostrar como a ideologia da supremacia branca, apoiada em conceitos pseudocientíficos e tendenciosos, atravessa a literatura, com gestos sutis e, por isso mesmo, eficientes na arquitetura do racismo estrutural. Ela nos oferece exemplos que vão de Harriet Beecher Stowe (A cabana do pai Tomás) à Hemingway, passando por autores europeus para fundamentar sua tese, instigando-nos à releitura de clássicos que jamais imaginamos envolvidos nessa ceara. Além disso, nos dá chaves para compreender seus próprios romances.
É uma aula magna sobre como a linguagem nos reflete e refrata, sobre como a palavra literária é formadora, como as escolhas lexicais e gramaticais não são, absolutamente, ingênuas, sobre a urgência de enfrentarmos essas questões na literatura.
‘A origem dos outros’ se soma a muitas produções culturais que vêm ocupando novos espaços e ganhando destaque para nos ajudar a ressignificar reflexões sobre nosso lugar no mundo.”
Com essas indicações, esperamos que mais leitores se juntem a nós para prestigiar os destaques que concedem os prêmios relacionados à cultura literária.
Boas leituras!
Equipe da Biblioteca Padre Charbonneau