Nas indicações literárias desta edição, colocamos luz nos romances adaptados para o cinema. Dado que os textos saíram dos livros para as telas praticamente assim que o cinema nasceu, não são poucas as opções, o que dificultou a escolha dos títulos.
Consta que a primeira obra literária que ganhou linguagem cinematográfica foi “Trilby e o Pequeno Billee”, em 1896. Uma das cenas do livro, escrito pelo francês Gerald du Maurier, foi recriada em um curta de 22 segundos. Mas essa é uma informação sobre a qual pairam controvérsias: há quem diga que a primeira personagem que visitou o cinema foi Sherlock Holmes, de Arthur Conan Doyle, outros afirmam ter sido Alice, de Lewis Carroll.
Polêmicas à parte, estamos todos de acordo que hoje há um sem-número de adaptações e o expediente da transposição de linguagens é reconhecido por uma das principais premiações do cinema: o Oscar, que anualmente concede a estatueta ao melhor roteiro adaptado.
Entre as adaptações que passaram pelo tapete vermelho nos últimos cinco anos estão:
• O tigre branco, com roteiro de Romin Baharani (indicado em 2021), baseado no livro The White Tiger, de Aravind Adiga;
• Jojo Rabbit, roteiro de Taika Waititi (premiado em 2020), baseado no livro Caging Skies, de Christine Leunens;
• Infiltrado na Klan, roteiro de Spike Lee, David Rabinowitz, Charlie Wachtel e Kevin Willmott (premiados em 2019), baseado no livro O livro Black Klansman, de Ron Stallworth;
• Me chame pelo seu nome, roteiro de James Ivory (premiado em 2018), baseado no livro Call Me by Your Name, de André Aciman;
• Estrelas além do tempo, roteiro de Theodore Melfi e Allison Schroeder (indicados em 2017), baseado no livro Hidden Figures: The Story of the African-American Women Who Helped Win the Space Race, de Margot Lee Shetterly.
Vamos, então, às nossas indicações:
O SOL É PARA TODOS
Harper Lee
Editora José Olympio
Tradução de Beatriz Horta
To Kill a Mockingbird, romance traduzido para o Português como “O sol é para todos”, de Harper Lee, foi lançado em 1960 e, de partida, sucesso de crítica e vendas. Trata-se de um enredo ambientado numa pequena cidade do Alabama, na década de 30, e conduzido pela voz da pequena Scout que, com irreverência, graça e ingenuidade típicas da infância, atravessa a narrativa se indignando com os costumes e preconceitos que regulam as relações sociais, a justiça que se quer impor ao futuro, por meio da educação, para lá de questionável, que as crianças recebem na escola, no convívio com a comunidade de bairro e no âmbito familiar.
A narrativa de Lee, inicialmente leve e ligeira, ganha densidade quando Atticus Finch, modelo de integridade e pai de Scout e Jem, é designado para defender Tom Robinson, um negro sabidamente inocente e barbaramente hostilizado ao longo de seu julgamento. O racismo é retratado de forma realista e implacável, e outras questões como a desigualdade entre gêneros e o abismo na oferta de oportunidades entre negros e brancos, atestam a contemporaneidade do texto.
Na inevitável condensação do romance na adaptação para a linguagem cinematográfica (1963), sob direção de diretor Robert Mulligan, perde-se a narração de Scout, algumas personagens e várias passagens com diálogos incríveis, daqueles que nos obrigam a uma pausa para reflexões. Ainda assim, o roteiro é bastante colado ao texto original e o bom humor e ironias da autora foram preservados.
O livro e o filme, ganhador de três estatuetas do Oscar, são dignos de atenção: todo leitor merece sorver as páginas do romance de Lee com vagar para desfrutar não só de como a autora, cirurgicamente, manobra a linguagem na construção das personagens e do enredo, mas cinéfilos vão se deliciar com a interpretação do galante Gregory Peck, como Atticus, e da pequena Mary Badham, no papel de Scout.
Uma curiosidade: Harper Lee nasceu e cresceu no Alabama, onde Rosa Parks foi presa (1855) por violar a lei de segregação do código da cidade de Montgomery, o que, depois de um ano de boicote ao transporte público e muitos outros protestos, resultou na declaração, pela Suprema Corte, da inconstitucionalidade das leis de segregação.
Ellen Rosenblat (professora de leitura)
OS MISERÁVEIS
Victor Hugo
Editora Martin Claret
Tradução de Regina Célia de Oliveira
Os Miseráveis é um daqueles livros que traz, ao longo de sua leitura, a percepção imediata de que o seu conteúdo, riquíssimo, foi sem dúvida adaptado para outras mídias não apenas uma ou duas, mas múltiplas vezes. Originária do século XIX, a magnum opus de Victor Hugo encontrou ramificações mundiais e atemporais. A mais famosa, talvez, seja a versão musical adaptada por Claude-Michel Schönberg que, por sua vez, foi convertida em um filme dramático, lançado em 2012.
Les Misérables, dirigido por Tom Hooper, é uma adaptação da adaptação. Apesar dessa corrente e das inevitáveis mudanças, perdas e ganhos decorridas das transformações que se deram, mantenho a opinião de que o filme, 150 anos posterior à obra original, assegurou a essência do livro. De fato, as modificações são evidentes, tanto na narrativa como na caracterização das personagens. É mais difícil simpatizar com o Marius literário do que com o atuado pelo cativante Eddie Redmayne, por exemplo. Por outro lado, o Jean Valjean escrito por Victor Hugo é ainda mais complexo e dinâmico do que o de Hugh Jackman.
Além do mais, apesar de ser um filme longo, a adaptação não conseguiu incorporar múltiplas partes das centenas de páginas que compõe a obra literária Os Miseráveis. Afinal, ela passa desde a narrativa sobre os personagens principais, até longas digressões e, permeando tudo isso, estão as reflexões sobre a essência humana propostas por Victor Hugo. Redenção, justiça, moralidade e amor são os pontos centrais que norteiam tanto o livro quanto sua adaptação para o telão. Embora múltiplos aspectos sejam inevitavelmente diferentes, a emoção que a obra original e as adaptações principais provocam é bastante semelhante. No final, tanto quando as luzes se acenderam no cinema, como quando virei a última página do livro, me encontrei com um nó na garganta e lágrimas nos olhos.
Beatriz Ruffino (Técnica em biblioteconomia)
EXTRAORDINÁRIO
R. J. Palacio
Editora Intrínseca, 2012
Tradução de Rachel Agavino
No livro Extraordinário conhecemos Auggie, August Pullman, um menino portador de uma síndrome genética rara que lhe causou uma deformidade facial. Por causa disso, e das inúmeras cirurgias que precisou realizar, Auggie nunca havia frequentado a escola até os 10 anos de idade.
A história se inicia nesse momento, quando Auggie finalmente entrará no quinto ano de uma escola particular em Nova Iorque e alguns alunos são convidados a ajudar em sua recepção.
Auggie terá um desafio ainda maior do que entrar em uma escola nova: lidar com o estranhamento causado em todos os alunos pelo seu aspecto físico e o bullying que sofre em função disso.
O que torna essa história ainda mais especial é a forma como é contada: são os familiares e amigos que narram, cada um com sua percepção, o que acontece com Auggie nesse momento desafiador. São narradores dessa história: Via, sua irmã; Summer, uma de suas primeiras amigas no colégio; Jack, seu melhor amigo; Justin, namorado de Via e Miranda, amiga de Via; vozes que nos aproximam de Auggie e nos permitem participar de eventos que acarretam sentimentos intensos e às vezes contraditórios.
Como essa riqueza no formato narrativo pôde ser transportada para a linguagem do cinema? Como fazer um filme que não fosse apenas melodramático e pudesse expor a ambiguidade em relação ao tema?
Extraordinário, o filme (2017), é uma produção de Hollywood que conta com atores consagrados, principalmente nos papéis dos pais do garoto. Julia Roberts ganhou destaque como mãe de Auggie e Owen Wilson como o pai. Nesse sentido, com destaque aos papéis da mãe, do pai e da irmã, o filme reforça a importância do ambiente familiar na vida de Auggie e o suporte para as situações conflituosas, principalmente em relação ao bullying sofrido na escola.
Fiel ao livro, a narração no filme também ocorre sob os diferentes pontos de vista.
Algumas situações conflituosas, como as que ocorrem no Retiro Ecológico do 5º ano, ganham caráter dramático intenso na tela. No livro, são trechos sensíveis.
“(…) tudo o que havia acabado de acontecer me atingiu e não pude evitar: comecei a chorar. Chorar de verdade, tipo o que a mamãe chamava de dilúvio. Fiquei tão constrangido que escondi o rosto com o braço, mas não conseguia conter as lágrimas… São esses rostos que vejo toda vez que fecho os olhos para dormir. O olhar de pavor da menina quando me viu pela primeira vez. O modo como o garoto com a lanterna, o Eddie, me olhava e falava comigo, como se me odiasse.”
Apesar do filme ter sido muito fiel em relação ao suporte da família de Auggie, com destaque ao papel da mãe que foi realçado na trama, o olhar sobre a relação com os amigos não caminhou tão em paralelo. Summer foi uma das bases que Auggie encontrou no início da vida escolar para transpor os desafios impostos pela sua condição e no filme não há um grande destaque para esse relacionamento, assim como para Justin, namorado de Via, que aparece no livro como um jovem maduro, que reforça ainda mais o suporte familiar que Auggie recebe, afirmando que “o universo cuida de todos os seus pássaros”.
É interessante notar essas diferenças, o que não torna o filme menor. Em comentário no Instagram, um leitor diz que chorou com o filme e riu com o livro. Que possam ser experiências diferentes e que nos toquem, independentemente do formato.
Maria Isabel Roux (professora de leitura)
A VIDA PELA FRENTE
Émile Ajar (pseudônimo de Roman Garry)
Editora Todavia
Tradução de André Telles
Esta história é narrada por Mohammed (ou Momo como ele prefere ser chamado), um garoto que tem 10 ou 12 anos, que não sabe muito bem sua idade porque foi entregue, ainda muito pequeno, aos cuidados de Madame Rosa; e é ambientada na Paris periférica da década de 70.
Assim que abrimos as páginas desta obra, a narrativa de Momo vai nos encantando, nos deparamos com personagens interessantes e fortes como Madame Rosa, uma ex-prostituta e sobrevivente de Auschwitz, que cuida de Momo e outras seis crianças, em um apartamento no 6° andar, no bairro de Beleville. Madame Rosa vive de sua aposentadoria e complementa a renda cuidando de crianças; conta com a amizade de Madame Lola, uma travesti, que está sempre por perto para apoiá-los; sr. Hamil, comerciante e amigo de Momo, que lhe indica ótimas leituras e lhe dá bons conselhos e Dr. Katz, médico e amigo.
“A vida pela frente” é antes de tudo uma história de amor, de amor ao próximo, lindamente narrada pelo olhar de uma criança que conhece desde cedo as agruras da vida e que me fez refletir sobre o que une e compõe uma família, pois nem sempre são os laços de sangue que unem pessoas: podem ser o respeito, a solidariedade, a gratidão e a amizade.
Em 2020, a Netflix fez uma adaptação da obra de Roman Garry e lançou o filme “Uma vida pela frente”. Nesta produção, Madame Rosa é interpretada por Sophia Loren. Vale a pena assistir e se encantar por esta história!!
Fabiana de Moura Silva (Bibliotecária)
A seguir, preparamos Uma pequena lista de sugestões, para os menores, de livros que já foram adaptados para o cinema:
• A invenção de Hugo Cabret , de Brian Selznick; Edições SM
• As aventuras de Paddington, de Michael Bond; WMF Martins Fontes
• Desventuras em série (coleção), de Lemony Snicket e Brett Helquist; Companhia das Letrinhas
• Menino Maluquinho, de Ziraldo; Melhoramentos
• O fantástico sr. Raposo, de Roald Dahl; WMF Martins Fontes – e outros títulos do autor
• O menino no espelho, de Fernando Sabino; Record
• O pequeno Nicolau, de Jean-Jacques Sempé e René Goscinny; Martins Fontes
• Píppi Meialonga, de Astrid Lindgren; Companhia das Letrinhas
• A história sem fim, de Michael Ende; Martins Fontes
• As crônicas de Nárnia, de Clive Staples Lewis; WMF Martins Fontes
• Harry Potter, de J.K.Rolling; Ed Rocco
Além de todos os clássicos universais como:
• Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll; Pequena Zahar/Companhia das Letrinhas
• As Aventuras do Pinocchio, de Carlo Collodi; Clube do Livro para Leitores Extraordinários
• O Mágico de Oz: First Edition, de L. Frank Baum; Editora Darkside
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