A sala (virtual) estava cheia. Os presentes estavam ali, com os microfones silenciados, para ouvir Jeferson Tenório, autor do aclamado livro “O Avesso da Pele” (Companhia das Letras), na primeira edição do ano do projeto Noites Literárias.
A mediação foi conduzida por Fernando Frochtengarten, biólogo, psicólogo, doutor em Psicologia Social pelo Instituto de Psicologia da USP e diretor dos Cursos Noturnos do Colégio Santa Cruz. Logo na apresentação, Fernando disse que “O Avesso da Pele”, é um livro que “não volta pra estante, fica com a gente, reverberando.” Na sequência, chamou a atenção para o fato de o mundo literário estar vendo um movimento crescente de autores negros que tocam na temática do racismo e da negritude.
Jeferson, que além de escritor, é doutor em teoria literária pela PUCRS, disse que, na pandemia, a questão racial eclodiu e que seu livro vem nessa esteira, porque aborda, de certa forma, essa temática. “E é muito sintomático que os escritores negros venham do Sul, porque temos aqui registros de racismo muito acentuado.”
O livro, e não é spoiler revelar, acompanha a busca de um filho pelo resgate do passado da família e, mais especificamente, pela trajetória do pai, assassinado em uma equivocada abordagem policial. “‘O Avesso’ tá imbuído dessas memórias e de como o Pedro vai recuperando-as e desnaturalizando a morte do pai. Ele não quer que o pai seja mais uma estatística, ele está conferindo humanidade a esse pai e a gente confere humanidade através da memória”, conta Jeferson.
O autor revelou que sua intenção não era escrever um livro sobre racismo, mas sobre a relação entre pais e filhos. No entanto, ao ler, Fernando disse que o texto “desnaturalizou a branquitude que está na minha pele e no avesso da minha pele”, ao que Jeferson respondeu: “Há uma consciência dessa racialização branca porque a gente vive, infelizmente, em uma sociedade racializada. E eu digo infelizmente porque nós precisamos caminhar para que não haja essa racialização de ninguém. O caminho é a gente chegar na pretensa humanidade das pessoas e o “Avesso da Pele” trata precisamente disso: não importa a pele, importa o que tem no avesso dela, no interior desse personagem. No entanto, não se chega ao universal, ao humano, sem antes tratar do particular. Porque é no particular que acontece o racismo, a violência.”
Tenório, que atua em sala de aula há 20 anos, como professor do Ensino Médio e da EJA, diz que o livro é uma homenagem aos professores (ofício exercido por Henrique, o pai morto do livro), mas, ao mesmo tempo, uma crítica ao Estado e aos governos que deixaram a educação pública obsoleta e sucateada.
O público também pode enviar perguntas pelo chat, mas o que mais se viu foram elogios à obra, como o relato de Beth Barbi, que teve que ser lido pela Coordenadora da Biblioteca Sandra Medrano, já que a professora não conseguiu falar, de tão emocionada que estava:
“Há nos objetos memórias de você. Este livro é um objeto/memória de um povo, de um coletivo sofrido, que atualiza dores e ilumina o que não se quer ver. Você fez um livro pra gente morar nele. Fiz essa mudança, estou morando aqui. Posso sair e viajar, mas vou sempre voltar.”
Quando o microfone foi aberto para as perguntas do público, muitos queriam saber sobre o processo criativo do livro, o tipo de narrativa escolhida e a opção por um filho “narrador onisciente”. Tenório revelou que tem 23 diários, escritos desde os seus 15 anos. Volta e meia ele revisita esses cadernos e vê que ideias que está desenvolvendo agora já tinham sua semente nesses textos. “Um romance começa a ser escrito quando a gente começa a pensar nele.”
Assista ao vídeo desse encontro em nosso canal no Youtube.